Eis um grande momento nesse blog: eu como fã de revistas, saudosista da Capricho dos anos 90 e uma fissurada por diagramação, consegui, muito por acaso, conversar com uma diretora de arte da Capricho na época de ouro da revista! Fátima Liberatori do Amaral é seguidora do blog no instagram e quando mostrei um dia desses um editorial que eu tinha guardado, ela me mandou mensagem: “eu fazia essa revista!!” Pronto: aí foi uma série de conversas até resultar nessa entrevista onde ela conta um pouco como foi trabalhar nessa publicação que realmente me moldou – e finalmente a adolescente aqui dentro pode agradecer por toda a inspiração ao longo dos anos.
A verdade é que nunca existiu uma revista como a Capricho. Fiquei fã da Mônica Figueiredo, a super editora – depois ela foi para a revista da MTV e eu comprava só por causa dela. Os editoriais sempre alto-astral, fotos lindas, as matérias – que mesmo quando abordava um assunto sério, era com muita leveza – , os colunistas, a Amalia Spinardi (editora de moda), as modelos… Eu, muito infelizmente, me desfiz de todas as edições – e eu tinha to-das. Agora ando caçando, uma por uma, para recompor: comprei algumas esses dias, em versão digital e putz, era melhor do que me lembrava. E claro, veio a questão: por que nada que veio depois chegou nem perto disso tudo?
Fiz essa e outras perguntas para a Fátima, que trabalhou como diagramadora, editora e depois, diretora de arte. Formada em Comunicação Visual na FAAP, na Escola Pan Americana de Arte e depois especialização na School of Visual Arts em NYC (“este último pago pela Capricho, outros tempos!”) ela se anima até hoje para falar dos tempos de Capricho – ainda é muito amiga da Amalia Spinardi e da Mônica Figueiredo, que hoje mora em Portugal. Abaixo, a entrevista dela, matando a curiosidade que carreguei por todos esse anos!
TRAJETÓRIA NA CAPRICHO
Eu entrei para ocupar o meu tempo, já tinha acabado a faculdade, amava revistas (gastava a minha mesada toda na banca) e não sabia o que fazer, acabei indo parar lá pelas mãos do meu pai (amigo de um diretor). Não sabiam o que fazer comigo, não tinha lugar para estagiária. Passei por todas as revistas e ia me metendo, perguntando o que podia fazer e fazendo. Quando cheguei na Capricho (1989) a Mônica já tava lá, e amei.Sentava com a galera da diagramação e aprendi a fazer past-up (dá um google pq é uma coisa pré-histórica!!). A equipe de arte era toda de técnicos, não tinha gente formada em faculdade, design editorial não existia como profissão.
Eu enxerida, comecei a me meter em tudo, fiz manual de arte (coloquei o projeto e regras num papel), não existia projeto gráfico formal, nem tinha esse nome. Comecei a me meter nos textos, fazer título, etc.. A Mônica me descobriu e não parei mais. De diagramadora à diretora de arte levou 3 anos, e ela me mandando pra tudo que era curso pra me ensinar.
Entrei em 1989 e sai em dezembro de 1996.
AFINAL, COMO ERA TRABALHAR LÁ?
Era o máximo, a Mônica tem uma cabeça genial. Ela mudou completamente o perfil da equipe que trabalhava lá, trouxe a turma dela: a filha da Elis Regina (Maria Rita foi estagiária), o Homero (filho do Washignton Olivetto) foi editor. Rodrigo Leão (um dos primeiros VJ da MTV), Cadão Volpato, Jorge Espirito Santo (hoje diretor do GNT), Zeca Camargo… além do formar uma super equipe de talentos novos que ela incentivava e ensinava. Tínhamos aulas toda semana pra abrir a cabeça, com o Wisnick, Ricardo Guimarães, Edney Silvestre, monges budistas, astrólogos… uma piração.
A Abril também era muito moderna, fazia um intercâmbio com um pessoal da área de jornalismo de Navarro, na Espanha, que vinha todo ano fazer palestras. Além de uma galera super top de design de revistas nos EUA, Roger Black, Ian White. Isso era a cabeça do Tomas Souto Correa (um dos mais importantes editores de revista do país), outro gênio. É incrível pensar no padrão que a gente tinha, e na preocupação da empresa em formar profissionais de ponta. Tínhamos um borderô (orçamento) enorme, e nunca gastava tudo, impossível imaginar isso hoje. Ficávamos em uns hotéis incríveis.
” A Capricho era um ninho de experimentos e gente louca e com paixão pelo que fazia. A Mônica não era fácil, mas a gente respeitava pela genialidade das coisas que ela fazia e ensinava. “
A revista era um reflexo de tudo isso. Chegamos a vender mais de 300.000 exemplares por mês. Ganhamos todos os prêmios de marketing que você possa imaginar. Num deles fomos a redação inteira, até o boy, para o Rio comemorar. Coisas de Mônica.
POR QUE A CAPRICHO ERA DIFERENTE? E POR QUE ATÉ HOJE NÃO EXISTIU UMA REVISTA COMO ELA?
Tudo isso que eu falei acima. O mundo mudou muito, a Abril foi perdendo o pé e todo mundo que valia a pena saiu. Não conseguiu acompanhar as mudanças, na verdade está difícil acompanhar mesmo! O dinheiro anda curto, parece que ninguém mais investe em formação, está tudo muito superficial. Fora que revista não se paga mais com anúncio, tudo é parceria produto/conteúdo. Antes isso era proibido total, compromete o conteúdo e a marca perde credibilidade. Além de ficar mega chato!
AS EDIÇÕES MAIS INESQUECÍVEIS
A Edição que fizemos no Rio, com o Rodrigo Santoro novinho de tudo, quando ele namorava a Luana, lembra?
Os Guias da Disney, fiz todos e ganhei Prêmio Abril com as edições. E umas edições especiais que a Mônica inventou e eu era editora com a Lilian Citron (que era casada com o Isay Weinfeld). Aprendi muito com ela.
A Capricho naquela época já investia num layout lindo, com fontes manuscritas e ilustrações. Fátima nos conta um pouco como era esse processo mais técnico:
Quanto às letras manuscritas e desenhos é preciso lembrar que não tinha nem computador quando eu entrei, era um processo todo manual. As tipologias eram pouquíssimas e tinham que ser encomendadas. Por isso os manuscritos eram manuscritos mesmo. As ilustrações ou encomendávamos para artistas ou eu fazia lá mesmo. A Mônica amava minha letra, escrevia até os bilhetes pessoais dela quando ela não podia. A letra dela é linda também. Tinha um cara que vendia livros de arte importados e ia na redação todo mês, uns livros mais maravilhosos que os outros (gastava meu salário, tenho até hoje), específicos de design editorial e de arte em geral. Não tinha pra vender aqui em lugar nenhum. Daí saiam muitas referências. Além de revistas importadas que a Mônica arrancava as páginas e mandava pregar na parede (risos).O que eu achava mais bacana é que ela mandava publicar a referência na revista. Demais né!
“Lembra da capa da Luana com a Camisinha? Foi baseada na Monalisa do Louvre. Olha o padrão!”
Quando chegaram os primeiros Macs tivemos que aprender tudo, não ficava na redação, tinha uma central para todas as revistas. Eu, óbvio, me mudei pra esta sala. Fazia tudo por instinto, me divertia, não tinha nenhum plano de nada na cabeça, as coisas foram acontecendo…
“A revista era super de ponta, para a Monica nada tinha muita regra. Tínhamos umas reuniões de pauta intermináveis, ela chamava uns convidados bacanérrimos para chacoalhar a gente. Daí saiam os editoriais que você tanto amava.”
MANTRAS DA MÔNICA FIGUEIREDO (decore e siga!)
Assunto sério não tem que ser chato. Deus mora no detalhe. Nada é óbvio.
TRAJETÓRIA PÓS-CAPRICHO
Saí da Capricho quando tive minha primeira filha, mas a revista já não era a mesma, tinha virado quinzenal e a cobrança era outra. Muita gente saiu na mesma época, inclusive a Mônica.
Continuei fazendo Design Gráfico Editorial, abri uma empresa (inc.design) com uma das minhas assistentes e fizemos muitos projetos, para a Editora Abril, Editora Manchete, Editora Globo, Condé Nast e para a Mônica Figueiredo, que nunca me largou.
Projetos como: Wedding Guide, Daslu, revista do shopping Village Mall no Rio, revista Carmen Steffens, revista e projetos Pais e Filhos entre outros. Hoje em dia trabalho de casa, tenho a conta de mkt digital da Cecilia Dale (emkt, insta, site). Faço os projetos especiais da Pais e Filhos e alguns livros de arte…
SE A CAPRICHO FOSSE RELANÇADA HOJE…DARIA CERTO?
A pergunta de um milhão de dólares! hahaha Eu acho que com aquela energia não tem como dar errado, mas era caro. Todo mundo ganhava bem, aqueles cursos, as viagens… acho difícil hoje em dia. •
Trabalhar na Capricho naqueles tempos era melhor do que imaginava! Super obrigada Fátima por compartilhar sua trajetória na revista – só me fez sentir mais falta ainda dessas páginas!
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