Se me perguntassem antes de 2009 se eu era uma pessoa ansiosa, eu pensaria antes de responder. Eu nunca imaginei que algo criado pela nossa mente poderia ter o poder de manipular sua vida e corpo tão facilmente. E faz isso num piscar de olhos. Se você nunca passou por um ataque de ansiedade, vai achar que é exagero; quem já teve ou convive com ela, vai se ver em cada palavra da minha experiência. Essa é a minha história com a ansiedade.

2009 foi um dos anos mais especiais da minha vida, desde o seu começo: depois da temporada de verão que passei na praia, voltei pra casa pra morar sozinha – meu irmão tinha acabado de se mudar pra Bahia – com toda a responsabilidade de mantê-la. O blog estava começando a ficar bem conhecido, convites começaram a aparecer, novas amizades também. Eu precisava renovar o contrato de trabalho com a única cliente que tinha, para poder respirar aliviada. Eu ia operar os olhos. E começar aulas de costura. E estava animada para tudo isso. Na primeira semana de volta e com toda essa enxurrada de novidades – e depois de um dia bem agitado – senti que o jantar não me caiu bem. Fui dormir para passar o mal estar. Acordei duas horas depois com um calor que veio de repente, enjoo, suando frio. Vomitei. Uma, duas, três vezes naquela noite. Consegui dormir depois e acordei no outro dia como se na-da tivesse acontecido. Nos primeiros minutos tinha até esquecido do quanto passei mal à noite. Minha mãe estava comigo naqueles dias e me lembro muito bem que falei pra ela que tive “um dia muito agitado” e a comida pesada não foi uma boa combinação.
Uma semana depois, a mesma coisa: estômago pesado antes de dormir, duas horas depois o mesmo calor, o mesmo mal estar, tremedeira, frio e calor ao mesmo tempo e, vômito, duas vezes. Comecei a ter medo de dormir e passar de novo por isso. E aconteceu nas outras duas semanas seguintes. Não fui ao médico – se me perguntarem o porquê hoje, não sei dizer, simplesmente não me lembro. Acho que, pelo fato de eu sempre ter tido um estômago fraco, que passa mal facilmente e também, depois das crises, acordar no outro dia como se nada tivesse acontecido, colaborou por eu pensar que não era nada demais, apenas “algo que eu comi que não fez bem”. Primeiramente melhorei minha alimentação: mais verduras, comida leve à noite – nada de sobremesa. E jantar mais cedo. Lembro de ter visto na época uma reportagem no Globo News sobre refluxo e achei que era isso que eu tinha. Na matéria, falaram sobre a mandioca – que é um bom digestivo – e dormir com o travesseiro mais alto. Toda semana ia à feira comprar mandioca. E dormi por 9 anos com o travesseiro em 45 graus.
Alguns meses depois veio o primeiro SPFW e eu consegui a credencial como blogueira – um feito inédito na época. Eu ia passar 3 dias no flat da minha amiga e meu maior pavor era ter um ataque desses à noite. Para evitar, eu mal jantava – de estômago vazio, ficava mais difícil acontecer. Ufa, passei ilesa. Mas algumas semanas depois, fui me encontrar com uma blogueira da minha cidade que conheci lá, ela trabalhava numa revista importante de moda e eu estava super animada. Mas ela teve que remarcar o horário e o tempo extra de espera, alimentou a ansiedade. Saímos para comer algo à noite – já num horário meio fora do meu habitual – e assim que chegou a comida, eu mal consegui comer. Tive que interromper a fala dela pra dizer que estava passando mal, que precisava ir embora. Um tempo depois de chegar em casa, ela me ligou pra saber como eu estava e deu a pista: “Bá, pode ser síndrome do pânico, meu irmão teve isso”. Na hora pensei: “que absurdo, imagina, síndrome do pânico”. Pra mim, quem tinha a síndrome, não conseguiria sair de casa e estava longe de ser o meu caso. Eu não tinha medo de fazer as coisas, eu fazia e aí vinha a consequência. Não acreditei mas fiquei com aquilo na cabeça. Aquele foi o primeiro ataque de ansiedade em público – depois viriam mais 3.
Nessa época, as crises continuavam mas vinham 1x por mês. E consegui controlar também o refluxo: passava mal, mas não vomitava. Fui aprendendo uns macetes: chiclete me ajudava – só o ato de mastigar, já desviava a atenção da minha mente (digo isso hoje com clareza, mas na época não sabia o porquê o chiclete ajudava). Eu sempre tinha algo para me abanar também, para aliviar a onda de calor, o primeiro sintoma, que sempre me acordava e era terrível, é um calor que vem de dentro e é muito característico. Mas aí vinha o frio em seguida, frio de bater os dentes e tremedeira, mas não podia parar de me abanar que o calor vinha num instante. Parece muito louco e exagerado mas é bem isso, uma mistura doida de sintomas que vem na velocidade da luz. E comanda seu corpo. Meia hora depois eu conseguia me acalmar e voltava a dormir. Acordava no outro dia como se nada tivesse acontecido – sempre foi assim.
Enquanto isso, a vida me trazia oportunidades maravilhosas e eu só dizendo sim – e tendo que lidar com os ataques depois. Fui a um clínico geral muito tempo depois, um médico que já tinha me tratado outras vezes e quando eu mal comecei a falar dos sintomas, ele já me interrompeu: é ansiedade. Uma hora de conversa depois, fiquei aliviada de não ser nada “grave” com a minha saúde física. Eu fazia musculação, estava na yoga, me alimentava bem melhor do que antes – e ele me indicou continuar assim e não me preocupar tanto com tudo. Me receitou um remédio para evitar o refluxo e achei que estava tudo resolvido.
Eu meio que fui me habituando com os ataques, que vinham sempre do mesmo jeito – à noite, umas duas horas depois de dormir. E, apesar de serem terríveis, eu já não tinha mais tanto medo porque conseguia controlá-los melhor. Só me preocupava mesmo quando viajava: a primeira vez que fui pra Londres, tive um alguns dias depois – mas novamente joguei a culpa na comida que comi à tarde. Aliás, minhas crises sempre tiveram relação com o que eu havia comido horas antes. Na segunda viagem pra Londres, vivi um dos piores: fui sozinha, cheguei de manhã, bati perna o dia todo e, já pensando em evitar o problema, comi algo bem leve no final da tarde. Pensei: depois do voo de 12 horas mais o dia cansativo, vou desmaiar na cama. Mas no dia seguinte eu tinha uma série palestras no Vogue Festival, com horário (o pavor dos ansiosos) pra começar – e era cedo. Pronto: tive um dos mais longos ataques, que começou às 22h e foi até às 2h. Consegui dormir de tão exausta que estava. Acordei normal, sem nenhum sintoma, de novo. O lado bom é que dificilmente eu tenho dois ataques em noites seguidas, então, apesar de ter aquele medo de dormir na noite seguinte, tenho o respaldo que provavelmente não vai ter nada.
O mais impressionante é ver como a mente comanda seu corpo em questão de segundos e como é difícil você reverter o pensamento.
A verdade é que você tem que distrair ela – tarefa nada fácil quando você está no meio de uma crise. Hoje, meu santo remédio é o chá de hortelã: em uma das crises, minha irmã veio até em casa e preparou um chá pra eu tomar. Com o estômago revirado, eu nem conseguia pensar em colocar nada na boca, mas fui tomando devagar. Quando terminei, os sintomas tinham sumido. O hortelã é ótimo para digestão e acho que, pelo fato da bebida estar quente e você ter que tomar aos poucos, ajuda a desacelerar, a colocar a respiração nos eixos. Aliás, controlar a respiração é a chave: sabendo acalmar, você acalma a mente também.
Tento me lembrar se antes de 2009 tive algum episódio que fosse um sinal de que eu viria sofrer de ansiedade. Um ou outro me vem a memória, mas nada muito relevante. Acho que o fato de eu ser metódica, disciplinada colabora. Qualquer desalinhamento vira um caos. Ainda fico incrédula como é avassalador quando a ansiedade surge na sua vida, não me parece que vem aos poucos, ela chega rasgando, aquela última gota que transborda o copo – tanto que me lembro daquele dia como se fosse semana passada. E, uma vez instalada, me parece que a única saída é saber lidar com ela.
Hoje, com a vida bem mais pacata, eu tenho uns 2, 3 ataques por ano, muitas vezes bem leves. A novidade, o sair da rotina, é o gatilho pra ansiedade. Cheguei a fazer massoterapia (uma técnica milenar chinesa de massagem aliada a curas de problemas no corpo) mas confesso que não senti diferença. Mas a massoterapeuta me indicou a meditação e me ensinou a meditar – e aí, erro grave meu, não continuei. Acho que a meditação seria o melhor remédio – todo o resto que fiz e tentei (terapia, yoga, musculação, alimentação balanceada) não vi melhoras, mas claro que poderia ser bem pior sem. Nunca tomei ansiolítico, apenas fui aprendendo a conviver, a saber o que causava, o que ajudava a parar.
Às vezes me pegam de surpresa, como num show que fui em 2017: meia hora depois de começar, veio aquele calor característico e claro, o pavor de passar mal ali – nunca imaginei que poderia acontecer ali. Consegui controlar, mas vinha e ia como em ondas. Acabou o show e ficou pior, fui pro hotel muito mal, tomei o chá de hortelã e não resolveu. Até que peguei no sono às 3h da manhã. O medo de repetir veio no show recente que fui, por alguns segundos, numa música mais lenta, os sintomas quiseram aparecer, mas consegui distrair a mente e deu tudo certo.
A ansiedade me atrapalha? Não digo isso, ela dificulta, mas eu não deixo de fazer a maioria das coisas, na verdade nem me lembro dela quando digo sim para algum convite ou oportunidade, algo bem fora da minha rotina. Só tomo mais cuidado, principalmente em viagens – com o que eu como e não durmo sem meu leque e água do lado da cama. Ano passado uma pequena vitória: comecei a deixar o travesseiro mais na horizontal, não sei como meu pescoço aguentou tanto tempo dormindo em 45 graus.
Acho que a ansiedade dá é mais medo – medo de vir acontecer, dos sintomas no corpo, de ser uma crise forte, estar fora, longe de casa. Uma coisa meio que alimenta a outra. Queria viver sem ela, claro – era tão mais tranquilo – mas ela me mostra o quanto nossa mente é poderosa e pode controlar nosso corpo num piscar de olhos, pro bem e pro mal.
A convivência hoje está quase pacífica, foi na base da tentativa e erro e do tempo conseguir lidar com ela. Pensei muito, anos até, em escrever esse post, é algo bem particular, poucas pessoas comentam mas está muito mais presente do que imaginamos. Doenças da mente são complicadas de lidar, de explicar e são traiçoeiras.
Mas a ansiedade não pode ser maior que a minha vida.
Deixe um comentário